terça-feira, 25 de agosto de 2009

ISABEL

Ontem vi Isabel...
Metade dela, tentando andar amparada entre duas mulheres, a caminho do mesmo cabeleireiro que eu.
Conhecia-a circunstancialmente por frequentar o mesmo salão. Sempre muito reservada, falava só com a pessoa que lhe tratava do cabelo e tinha reparado sempre nela, porque apesar dos seus quarenta e poucos anos, tinha uma cabeleira linda, onde as brancas já se vislumbravam, mas longa e sempre bem tratada.
Não mostrava grande simpatia, mas sempre me parecera saudável. Tinha-a visto pela última vez há pouco mais de dois meses e sempre no mesmo local, o salão que ambas costumavamos frequentar...nessa altura nem sequer sabia o seu nome.
Mas ontem não, ontem a atenção que o seu cabelo me costumava despertar, deu lugar a um misto de sentimentos por alguém quase desconhecido, para dar lugar a um sentimento de impotência perante alguém que em tão pouco tempo tinha sofrido uma transformação física enorme e isto porque estava minada por uma doença que lhe tinha alterado por completo o seu retrato físico.
À medida que a profissional lhe tratava daquela cabeleira que sempre me tinha fascinado, eu ia folheando uma revista e sempre tentando que ela não reparasse na minha curiosidade, ia olhando
de soslaio, tentando adivinhar o que teria acontecido em tão pouco tempo àquela mulher que nunca me tinha despertado a atenção, a não ser sempre pela sua reserva e o seu cabelo longo e bonito.
Até que quando pelo espelho vi a dificuldade da cabeleireira em mudá-la de cadeira, não resisti em ajudar. Peguei naquele ser tão fragilizado ao colo e levei-a para o sofá, tentando em conjunto proporcionar-lhe alguma comodidade até que a viessem buscar.
Então aí, pude pela primeira vez falar com Isabel, saber o seu nome e ouvir dela mesmo o que estava a acontecer....Dizia-me ela, que tinha começado a fazer hemodialise e que isso a tinha tranformado "naquilo"...
Ouvia-a atentamente e pensava como nos podemos enganar tanto, quando sentimos o fim tão próximo...Isabel sim, fazia hemodialise porque a doença fatal que tinha atacado os seus rins já ia de tal forma avançada, que era uma das formas de sobrevivência.
Mas não sabia que Isabel, no meio deste sofrimento todo, estava completamente só...compreendi depois dela sair, o porquê dela querer continuar no salão e não querer que chamassem pela ajuda de quem a trouxe. Isabel não queria ficar só, incapaz, sem ser sequer capaz de ser autonoma...
Até que chegaram para levar Isabel, mas vendo que ela estava cada vez pior e a precisar urgentemente de cuidados médicos, chamaram o INEM e em pouco tempo foi levada para o Hospital.
Despedi-me de Isabel desejando melhoras e nas suas costas uma lágrima caíu-me, pela certeza
de que esta seria a última vez que a veria...
Relativizei tudo, revi o meu filme ao contrário e vi como era afortunada por ter saúde.
E fiquei triste...Isabel...uma mulher como eu.

MIA
25 Agosto 2009

3 comentários:

Anónimo disse...

triste e talvez um pouco pessimista (nao se vislumbra uma restea de esperança).
bj

Mia disse...

Imfelizmente para Isabel já não haverá esperança...

Fallen disse...

Que triste mãe... Conheci-a?